1 de fev. de 2010

Rede defende o PNDH sem modificações e coerente com os direitos humanos das mulheres

Em mais uma nota pública em defesa da integralidade III Plano Nacional de Direitos Humanos, a Rede Feminista de Saúde - articulação nacional de mulheres que há 18 anos atua na perspectiva dos direitos humanos e da cidadania - denuncia o caráter intervencionista da Igreja Católica nos assuntos de Estado no país.

Segundo a Rede, a ação dos setores religiosos e conservadores tem obstaculizado o cumprimento dos compromissos internacionais e nacionais assumidos pelo Governo Brasileiro, em especial a Convenção sobre Eliminação de Todas as formas de Discriminação Contra a Mulher, a Plataforma de Ação Mundial para a Mulher de Beijin e o Programa de Ação do Cairo. Documentos que explicitam o compromisso com os direitos humanos das mulheres e que apontam os abortos inseguros “como formas de violação da sua integridade física e psíquica e exposição ao risco de morrer”.

Ainda em sua manifestação, a RFS faz uma forte crítica ao Ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, por suas declarações favoráveis à alteração do PNDH no que tange à autonomia das mulheres. Para a Organização, o comportamento do Ministro, “sinaliza o grau de vulnerabilidade do compromisso do governo brasileiro com as mulheres em relação aos ditames de setores religiosos e conservadores que não respeitam o caráter laico do estado”. Leia, abaixo, a íntegra da nota pública

Do direito à autonomia, à privacidade, à vida – o III PNDH

NOTA PÚBLICA

A Rede Nacional Feminista de Saúde Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, articulação nacional de mulheres que há 18 anos atua na perspectiva dos direitos humanos e da cidadania, vem manifestando desde o mês de dezembro passado seu posicionamento frente ao Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH3). Primeiramente, ao saudar a atitude corajosa e comprometida do Governo Lula em incluir importantes pontos que resultam de anos de lutas e de diversas conferências, com relevo para o apoio a projeto de lei que descriminaliza o aborto. Posteriormente, em correspondência enviada ao Senhor Presidente da República, reivindicando, em nome de centenas de instituições brasileiras, a manutenção do conteúdo do documento, tendo em vista as fortes pressões dos setores conservadores, em especial da Igreja Católica.

A presente nota pública tem o objetivo de reafirmar os dois posicionamentos anteriores e, ao mesmo tempo, denunciar o caráter intervencionista da Igreja Católica nos assuntos de estado no país, em obstáculo ao cumprimento dos compromissos internacionais e nacionais assumidos pelo governo brasileiro e outras instituições, ao referendarem os princípios das Declarações da ONU, em particular a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, a Plataforma de Ação Mundial para a Mulher de Beijing e o Programa de Ação de Cairo. Os referidos documentos explicitam o compromisso de signatários com os direitos humanos das mulheres, apontando os abortos inseguros como formas de violação da sua integridade física e psíquica e exposição ao risco de morrer.

Como tais, não podem e não devem submeter-se às oportunidades e contextos eleitorais, senão para sua reafirmação. É profundamente frustrante às filiadas da Rede Feminista de Saúde constatar que, após três décadas de atuação do movimento de mulheres e feminista no Brasil em prol da descriminalização do aborto, dado o impacto do aborto inseguro na vida das mulheres adolescentes, jovens e adultas, uma vez mais o governo brasileiro ameace com recuos mediante pressões.

A infeliz declaração do ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, sobre a alteração do documento no que tange à autonomia das mulheres, sinaliza o grau de vulnerabilidade do compromisso do governo brasileiro com as mulheres em relação aos ditames de setores religiosos e conservadores que não respeitam o caráter laico do estado. Estes setores desconsideram as mulheres como sujeitas de direitos e de capacidade de decidir por suas vidas, não respeitam a vida das mulheres, violam a consciência nacional, ao comparar o presidente Lula com “Herodes”, tratando biblicamente assuntos de estado que estão acima das religiões.

A Rede Feminista de Saúde manifesta, assim, sua preocupação com a democracia no Brasil. Pois,passados tantos anos em que, cotidianamente, se demonstram com dados impactantes a prática do aborto inseguro e clandestino como vivência de centenas de milhares de mulheres que acorrem às emergências do Sistema Único de Saúde para não morrer de hemorragias, infecções, rupturas de útero e outras graves ocorrências, este governo abaixe a cabeça à obediência imposta por bispos, padres e pastores e não ouve as mulheres brasileiras.

O aborto no Brasil há muito deixou de ser uma questão meramente legal ou legislativa. É um gravíssimo problema de saúde pública, que se assim fosse tratado, sequer necessitaria de novas leis para seu enfrentamento. Bastaria a coragem e decisão de governantes para incluí-lo no rol de problemas de saúde preveníveis, evitáveis e tratáveis.

A democracia, para as mulheres, não se resume a voz e voto, é um processo que se constitui a partir do seu reconhecimento como detentoras de direitos. Do direito à autonomia, à privacidade, à vida. Neste sentido, conclamamos uma vez mais a que 3º Programa Nacional de Direitos Humanos, resultado das discussões da 11ª Conferência Nacional dos Direitos Humanos, realizada em Brasília em dezembro de 2008, não seja modificado. Não é possível que as pressões religiosas e de setores conservadores, alterem a proposta original.

Queremos o Programa integral e implementado, em coerência com os compromissos do Brasil com os Direitos Humanos das Mulheres.

Porto Alegre, 28 de janeiro de 2010

Telia Negrão e Maria Luisa Pereira de Oliveira
Secretárias Executiva e Adjunta da RFS

Conselho Diretor e Regionais da RFS
• Clair Castilhos – Casa da Mulher Catarina - Santa Catarina
• Karen Borges – Associação Lésbico Feminista Coturno de Vênus – Campanha por Uma
Convenção dos Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos - Brasília/DF
• Maria do Espírito Santo Tavares dos Santos – Conselheira do Conselho Nacional de Saúde –
Coordenadora da Regional do Rio de Janeiro
• Maria Goretti Lopes – Espaço Mulher do Paraná e Associação Brasileira de Enfermagem
• Maria José de Oliveira Araújo – IMAIS -Instituto Mulheres pela Assistência Integral à Saúde,Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos e Relatoria do Direito Humano à Saúde Direitos Sexuais e Reprodutivos da Plataforma Dhesca
• Maria Noelci Teixeira Homero – Maria Mulher – Organização de Mulheres Negras - RS
• Marta Giane Machado Torres – Fórum de Mulheres de Amazônia Paraense - Pará
• Neusa Cardoso de Melo – Associação de Mulheres do Graal - Minas Gerais
• Neusa das Dores Pereira – Centro de Documentação e Informação Coisa de Mulher - Rio de
Janeiro
• Rosa de Lourdes Azevedo dos Santos – Conselheira do Conselho Nacional dos Direitos da
Mulher – Coordenadora da Regional de São Paulo
• Alaerte Leandro -Rede de Mulheres Negras do Paraná
• Liliam Marinho - IMAIS -Instituto Mulheres pela Assistência Integral à Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos - BA - Membro da CISMI/CNS
• Olívia Rangel – UBM/SP
• Maria Luisa Carvalho Nunes -CEDENPA – PA
• Silvana Maria da Silva -Secretaria da Mulher da Fecosul – RS
• Gigi Bandler - Grupo de Teatro Loucas de Pedra Lilás (PE)
• Maria Lucia Lopes de Oliveira - Cunhã Coletivo Feminista – PB

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