26 de jan. de 2010

Haiti: Rede participa do lançamento do acampamento internacional feminista e de reuniões da Campanha 28 de Setembro e Beijin+15


A secretária executiva da Rede Feminista de Saúde, Telia Negrão, está desde sábado, 23, em Santo Domingo, República Dominicana, em missão de solidariedade, onde acompanha as atividades da nova coordenação da Campanha 28 de Setembro Pela Descriminalização do Aborto na América Latina e Caribe. A Campanha está sob a direção da feminista dominicana Sergia Galván, da Colectiva Mujer da República Dominicana. Além do Brasil, também estão presentes representações do México, Guatemala, Porto Rico, Bolívia, Costa Rica e Nicarágua (foto) que prestam apoio na construção de um plano de trabalho e estratégias para o fortalecimento da luta pela legalização do aborto em toda a região.
Em e-mail encaminhado nesta terça-feira,26, às ativistas brasileiras, Telia destaca que, além desta questão de extrema importância para a saúde das mulheres, o olhar e a preocupação das lideranças latino-americanas e caribenhas estão totalmente voltadas para o Haiti. “Precisa-se de tudo, mas as mulheres haitianas precisam de coisas que nós mulheres sabemos que precisamos quando estamos em situação de trauma, perda e dor”, relata a dirigente da RFS.

Telia Negrão vem participando das discussões sobre a Plataforma de Ação de Beijing +15 que foi adotada pelos governos na Quarta Conferência Mundial das Nações Unidas sobre as Mulheres realizada na China e redigida com uma forte influência das organizações da sociedade civil. Na foto, a secretária executiva da RFS está acompanhada das feministas, à esquerda, Nadiejda Jean e Lise Marie Dejan, da ong Solidariedade Mulheres Haitianas - Sofa/Haiti, e de Aldita, Cruz, de Porto Rico, à direita. Nesta quarta-feira, 27, a secretária executiva da RFS participa do lançamento do acampamento de solidariedade feminista internacional de comunicação Myrian Merlet que está instalado em Jimani, fronteira da República Dominicana com o Haiti.
Este acampamento reúne uma rádio e um centro de informação feminista de solidariedade pró Haiti. Além de um memorial e serviços. O nome é uma homenagem à Myrian Merlet, ativista feminista haitiana e ex-Chefe de Gabinete da Ministra da Mulher do Haiti, que morreu quando sua casa desabou após o terremoto.
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Abaixo o depoimento completo de Telia Negrão:

Querida mulheres

Escrevo-lhes da Republica Dominicana, debaixo de muita emoçao que sinto necessidade de compartilhar, pois esta muito represada. Algumas companheiras conseguiram ir agora a um bar para desatar um pouco, preferi disputar um “compú”, como se diz por aqui e relatar um pouco deste dia de trabalho e de tanta carga emocional.


Como vocês sabem, vim para Santo Domingo para muitas coisas, ajudar a nova coordenação da Campanha 28 de Setembro, agora a Colectiva Mujer da Rep Dominicana, sob a direcão de Sergia Galván. Brasil, México e Nicarágua estão dando um apoio por um período para que se construa um plano de trabalho para fazer ressoar a luta pela legalização do aborto em toda a região.
Amanhã haverá um ato público de lançamento do Acampamento Internacional Feminista, que ainda necessita ter o aval das haitianas. Um projeto lindo de solidariedade, que vai abrir um canal de comunicação para dar voz a estas mulheres. Vamos colaborar como podemos.

Pedi a Margareth Arilha, antes de viajar, que abrisse uma conta para arrecadarmos, como mulheres, para o Haiti. Daqui quero dar mais um recado à Marga: é urgente! E podemos ajudar com um real ou quanto pudermos. O que não se pode é deixar para depois o que tem que ser feito agora!

Após um dia de trabalho pela Campanha 28, recebemos duas companheiras sobreviventes das principais organizações feministas do Haiti. É claro que já sentíamos, através das dominicanas e portoriquenhas que estão diretamente envolvidas do trabalho de solidariedade, o qual dilacerante é estar vivendo e convivendo com a dor da perda trágica que um desastre natural produz. Sergia, por exemplo, deixou de comer.

Outras companheiras, deixaram de dormir depois de entrar em contato com a tragédia haitiana. Há uma espécie de formigueiro que não para nunca por aqui: a listas de necessidades chegam, tão concretas, que não há o que pensar, há o que fazer. Precisa-se de tudo, mas as mulheres haitianas precisam de coisas que nós mulheres sabemos que precisamos quando estamos em situação de trauma, perda e dor. Sofrem de infeccões por fungos e bactérias ginecológicas produzidas pela baixa de resistência, fruto da tristeza, do medo, do sobressalto, do luto que nem conseguiram começar a viver ainda.

Hoje,26, enviei ao Ministério da Saúde do Brasil um pedido muito especial: mandem medicamentos ginecológicos, não esqueçam das mulheres do Haiti! E peço a todas vocês que reforcem este pedido, que levem ao Conselho Nacional de Saúde, ao Conselho da Mulher, que tornem isto uma demanda pública.

Me preparei também emocionalmente para o contato com as companheiras haitianas. Nosso imaginário vai longe quando estamos frente a uma situação desconhecida que está por vir. Mas quando aquelas duas mulheres entraram na sala do apartamento onde as esperávamos com uma janta deliciosa, foi tão profundo o silêncio, foi tão agudo o olhar, foi como se todas nós, 15 mulheres, todas parássemos de respirar. E só sabíamos oferecer um abraço, um beijo, como se estivéssemos, assim, abraçando também aquela gente toda que ainda vaga pelas ruas, na esperança quase acabada de encontrar alguém que está sumido.

Não falamos nenhuma palavra de kreole, balbuciamos algumas palavras em francês, eu treinei um pouco antes de viajar e trouxe meu dicionário de viagem, elas quase não falam espanhol, muito menos português, mas conversamos por quase duas horas.

Nadiejda, a mais jovem, de 33 anos, (foto abaixo) e cara de menina, com um olhar mais meigo, nada come há vários dias, Recusou toda a comida. Pediu só água. Necessita de uma " tenta" pois ainda dorme ao relento. Sente no corpo os tremores que continuam todo o tempo no Haiti. Ficará conosco mais um ou dois dias, quando as levaremos de volta, todas juntas, entrando então naquela terra que treme, mas que pede solidariedade concreta, mas não só isto. Maria Suarez, da Rádio Feminista Internacional, lhe pede: nos ensine cinco palavras em kreole para que possamos repetí-las, e que sejam a mais importantes: ela responde - bom dia, seja forte, não perca as esperanças, estás com fome? queres água?
Como se vê, não precisamos muito para ajudar ao Haiti. Vejo também que para ir para lá, assim como é bom ficar em Cuzco, dois dia antes de ir a Machu Pichu, estes dois dias na Dominicana são indispensáveis para preparar coração, como feminista militante ou como jornalista.

Amanhã haverá um ato público de lançamento do Acampamento Internacional Feminista, que ainda necessita ter o aval das haitianas. Um projeto lindo de solidariedade, que vai abrir um canal de comunicação para dar voz a estas mulheres. Vamos colaborar como podemos.

Envio a todas um grande abraço, quero que sintam um pouco da emoção que me invadiu.


Telia

2 comentários:

Anônimo disse...

Télia, tu és uma mulher GRANDE. Nos orgulhamos de ti. Toda a minha solidariedade. Estou fazendo o que posso daqui de longe. Bem perto de todas. Tânia Carvalho

BETH BARON disse...

Télia...que depoimento emocionante...e de muita relevancia,pois acredito que não passou pela cabeça das pessoas a importancia dos medicamentos ginecologicos...quero te dizer que de coração estou perto de vcs...e podem contar comigo para o que precisarem...queria estar ai com vcs...um bj enorme no coração de cada uma destas mulheres